Em tramitação na Câmara de Deputados, o projeto de lei nº 6.787/2016 está atraindo críticas, elogios e aquecendo discussões nos mais diversos espaços em que se trata de relações de trabalho no país.
Prefiro assim chamá-lo, pelo seu nome oficial e técnico, pois os apelidos que tem recebido nada condizem com o que a sua eventual aprovação e entrada em vigor são capazes de promover.
Reforma trabalhista não lhe cabe, pois está longe de sê-la. O nome impactante e que facilmente atrai atenções é adotado por quem pretende que ela assim seja vista, como uma alteração que efetivamente vem a impactar, a avassalar relações, a vilipendiar, a desconstituir direitos e a desconstruir o direito do trabalho e a Justiça do Trabalho, eximindo as empresas de sua responsabilidade social e preservando a lucratividade em detrimentos dos direitos trabalhistas!
Ufa! São muitas e complexas capacidades, dignas de estarrecimento e de imediata adversidade à aprovação de um projeto de lei “desse gabarito”!
Mas a “pavorosa reforma” sequer se aproxima disso tudo…
Já aqueles que tentam criar um ambiente de aceitação da mudança e amenizar o choque provocado pela expressão repetida e ecoada pelos opositores optam por apelidar o projeto de modernização da legislação trabalhista… Infelizmente também é demais para o pouco que ele pode…
Não me parece minimamente razoável apostar numa reforma ou numa modernização, como quiserem chamar, de uma legislação editada na década de quarenta através de um projeto de lei redigido em irrisórias cinco laudas… E não afirmo com isso que é a extensão do texto que tem o condão da efetiva mudança, mas sim o seu conteúdo, que assim como está, nem que estendido em quantas mais laudas fosse daria conta de qualquer dos dois recados!
Os desafetos do projeto se agarram ao argumento histórico para perpetuar as condições que esse universo, surgido a partir das disposições da CLT, propicia até hoje.
No entanto, o próprio argumento histórico utilizado por eles se contradiz, na medida em que a evolução histórica e social justifica as várias alterações que inclusive o projeto sequer contempla.
É inegável que as violações dos direitos mais fundamentais que deram origem à criação das normas de proteção ao trabalhador não podem ser afastadas do ambiente de discussão da alteração proposta e, inclusive, não se pode esquecer que essas violações não são passado e continuam ocorrendo, nas mais diversas formas, muito impulsionadas pelas diferenças culturais e econômicas de cada região do nosso país. No entanto, as garantias desrespeitadas no âmbito das relações de trabalho, da envergadura daquelas suscitas pelos inimigos da chamada reforma, afetam direitos muito maiores do que aqueles contemplados pela CLT. Se tratam de negativas às garantias fundamentais, as quais já encontram proteção no texto constitucional e em tratados internacionais e não a perdem em razão da alteração de uma lei infraconstitucional. Ou seja, não será a tímida alteração da CLT proposta pelo PL 6.787/2016 a responsável por um súbito aumento na quantidade e na proporção das violações dos direitos fundamentais dos trabalhadores verificadas atualmente.
Por outro lado, também não há como ignorar a evolução da categoria protegida pela legislação laboral. O trabalhador de 1943 não é o mesmo empregado dos dias atuais.
O amplo acesso à informação, à educação, à profissionalização, às tecnologias e inclusive ao Judiciário possibilitou aos trabalhadores plena consciência dos seus direitos e capacidade de identificar uma situação de abuso ou de ilegalidade, com total alcance aos órgãos e instituições capazes de resguardar o direito violado.
O trabalhador de hoje não cabe mais na esfera de tratamento criada pela CLT e muitas vezes discorda de alguns direitos que lhe são assegurados por serem incompatíveis com a sua efetiva vontade, como, por exemplo, a impossibilidade de fracionamento das férias em mais de dois períodos, o que importa muitas vezes na concessão de trinta dias de férias ininterruptos, matéria que é proposta de flexibilização do PL 6.787.
Portanto, a reformulação da legislação trabalhista deve ser coordenada por uma ratio legis compatível com a realidade econômica e social em que estão inseridas as relações de trabalho, bem como adaptada às modernizações dos instrumentos e processos inerentes a esse universo.
Enquanto se continuar a pensar a alteração da legislação trabalhista com absoluta desconsideração da preservação do lucro, jamais teremos uma norma com eficácia. Continuaremos a contabilizar novas formas de fraudes e de violações aos direitos sociais e fundamentais, além de contar com um número cada vez mais crescente de processos trabalhistas.
A preservação do lucro, tão criticada pelos “anti reforma”, incentiva a atividade empresarial e fomenta a iniciativa privada, as quais, por sua vez, promovem e garantem os postos de trabalho, proporcionando aos cidadãos vidas mais dignas e a perfectibilização de seus direitos fundamentais e sociais. Sem nem falar nos inúmeros reflexos sociais e econômicos de ordem global.
A lei deve emanar da sociedade e das relações que ela normatiza.
Seja reforma, seja modernização, se não houver sintonia entre o “para quem” e o “para que” da norma, não há razão de ser.
Sabrina Schneider – OAB/RS 103.027