Decretação da guarda compartilhada no litígio

Por Dra. Saionara Schierholt

A Lei 13.058/2014 trouxe para o Código Civil, no § 1º do artigo 1.583, o entendimento da guarda compartilhada, como sendo a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos em comum. E no parágrafo 2º, do artigo 1.584, a lei estabelece que a guarda compartilhada será (e não poderá ser) aplicada quando não houver acordo entre a mãe e o pai, estando ambos os genitores aptos para exercer o poder familiar.

Assim, vê-se que a legislação traz uma imposição da aplicação da guarda compartilhada mesmo nos processos litigiosos. Pergunta-se, como fica na prática essa determinação quando as partes não conseguem manter um diálogo sem litígio?

É preciso antes de tudo ressaltar que a guarda compartilhada não pode ser confundida com divisão de tempo de convivência com os filhos, mas certamente, aproximará a relação com o filho, porque o envolvimento dos genitores com a sua rotina diária vai ser muito maior. Também deve ser dito que a guarda compartilhada não interfere na necessidade alimentar da criança e do adolescente, permanecendo a obrigação, podendo, contudo, alterar a forma do cumprimento do encargo. Por isso, a importância de se estabelecer o lar referencial dos filhos, para que eles tenham uma clareza do seu espaço domiciliar, e que, a partir daí, seja apresentado um planejamento de convivência, com todas as suas atribuições.

A guarda compartilhada é, sim, uma participação efetiva na rotina e nas decisões estruturais que envolvem os filhos, que vai desde a participação de buscar/levar na escola; envolvimento nas tarefas e relatórios escolar; almoço/janta; médico/dentista; catequese; atividades extracurriculares, etc.

Rolf Madaleno é enfático ao sustentar que a guarda compartilhada não tem sucesso na disputa litigiosa:

Segundo consenso doutrinário e judicial, não há condições de forçar a guarda compartilhada em sentença judicial; quando já se mostram ausentes a maturidade e o sincero propósito dos pais em fornecer aos filhos o melhor de si, com seus olhos voltados para a doutrina dos efetivos interesses dos menores e adolescentes, e, embora a legislação se incline por preferir a guarda compartilhada dos pais, sua escolha só encontrará admissão na ação consensual de guarda ou de divórcio. (MADALENO, R., 2015, p. 478)

Os que defendem o pressuposto do consenso na disposição da guarda conjunta, alegam que a possibilidade de um diálogo mínimo entre os pais é imprescindível, a fim de que convirjam nas decisões e planejamentos, sob pena de causarem sérios prejuízos psicológicos aos filhos, que já sofrem com a separação por si só.

Nesse sentido ainda vale citar a doutrina de Rolf Madaleno:

Não obstante a Lei n. 11.698/2008 facultasse impor a guarda compartilhada, é preciso reconhecer ser de fundamental relevância apurar a boa intenção e o espaço para diálogo dos pais, porque, em contrário, uma guarda forçada por decreto judicial poderia terminar por fazer ascenderem novos e indesejados conflitos que colocarão a criança e o adolescente no centro de um turbilhão de desentendimentos e subsequentes demandas que levarão à redução das prerrogativas conferidas aos pais. (MADALENO, R., 2015, p. 478)

Há jurisprudência que também sustenta a impossibilidade da guarda compartilhada quando falta consenso entre os pais, o que se extrai do acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 5024440332021821700, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO CUMULADA COM GUARDA, ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS. (…) A GUARDA COMPARTILHADA, APÓS A EDIÇÃO DA LEI N. 13.058/2014, É CONSIDERADA A REGRA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, CONFORME DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 1.584 DO CÓDIGO CIVIL. ENTRETANTO, CONSIDERANDO AS PECULIARIEDADES DO CASO CONCRETO, EM QUE A RELAÇÃO DO EX-CASAL É FORTEMENTE CONFLITUOSA, EXISTINDO, INCLUSIVE, MEDIDA PROTETIVA EM FAVOR DA RECORRENTE E EM FACE DO AGRAVADO, CABÍVEL A CONCESSÃO DA GUARDA UNILATERAL DE AMBOS OS INFANTES À GENITORA, ATÉ MESMO PORQUE SE TRATA DE MERA CONVALIDAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. ADEQUADO O FORMATO SUGERIDO PELA RECORRENTE PARA A FIXAÇÃO DAS VISITAS, VISTO QUE OBSERVA A PRESERVAÇÃO DO VÍNCULO PATERNO-FILIAL. CABÍVEL (…) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50244403320218217000, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 10-06-2021)

De outra parte, deve ser enfatizado que no meio do litígio do divórcio, infelizmente, há espaço muitas vezes para que o guardião utilize o filho como moeda de troca, fazendo chantagens ou até alienação parental, com consequências nefastas à saúde psicológica dos filhos. Por isso, justamente para afastar os abusos cometidos pelo guardião unilateral, há os que defendem a possibilidade do decreto judicial da guarda compartilhada, forçando os pais a fazerem adaptações no planejamento de vida, adequando-se às necessidades dos filhos. Cristiano Chaves de Farias sustenta a possibilidade da imposição da guarda compartilhada por decreto judicial, mesmo na ausência de consenso entre os pais:

Com isso, vislumbra-se que a guarda conjunta não pode estar submetida ao consenso entre os pais, sob pena de submetê-la ao crivo potestativo de um dos genitores – que poderia impedir um convívio mais amiúde do outro genitor com o seu filho. É dizer: a conclusão da inviabilidade de compartilhamento da guarda quando inexistir um consenso entre os pais faria surgir uma dimensão arbitrária e abusiva (e inexistente!) do poder familiar. (FARIAS, C., 2019, p. 721/722)

Nesse sentido, também há jurisprudência que ampare esta tese, inclusive do STJ, a exemplificar o julgado pioneiro do REsp 1.251.000-MG, em 23.08.2011, o qual entendeu que a “inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício da uma potestade inexistente por um dos pais”, posteriormente mantido no REsp 1.428.596-RS, julgado em 03.06.2014 (ROSA, 2017). Portanto, defende-se a possibilidade da decretação da guarda compartilhada mesmo nas situações litigiosas, sempre levando em conta o melhor interesse da criança e do adolescente e a sua proteção integral. Constatada pelo magistrado a impossibilidade da guarda conjunta por qualquer razão, será decretada a guarda unilateral por quem melhor atenda às necessidades dos filhos, que pode até mesmo ser confiada a terceira pessoa (parágrafo 5º, artigo 1.584, Código Civil).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL.

Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2002]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 16 ago. 2021.

BRASIL. Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Brasília, DF: Presidência da República, [2014]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm. Acesso em: 16 ago. 2021. FARIAS, Cristiano Chaves De; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. RIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça (8. Câmara Cível). Agravo de Instrumento nº 50244403320218217000. Ação de divórcio cumulada com guarda, alimentos e partilha de bens. Relator: Des José Antonio Daltoé Cezar, julg. 10 jun. 2021. Publ. 11 jun. 2019.

Disponível em https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php. Acesso em: 16 ago. 2021. ROSA Da, Conrado Paulino. Curso de Direito de Família Contemporâneo. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. ______. Tratado de Direito das Famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015.