Alimentos compensatórios na dissolução do relacionamento conjugal

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Por Dra. Saionara Schierholt

É sabido que um dos elementos marcantes nas relações amorosas estáveis e matrimoniais é a união de esforços para a construção do patrimônio familiar e/ou padrão de vida do casal, independente do regime de bens e da forma de contribuição de cada um para isso. O problema está no caso da dissolução do vínculo conjugal, quando um dos separandos se depara com uma realidade financeira e social muito aquém ao que desfrutava na época da relação amorosa, sem que o outro sofra o mesmo efeito, mantendo seu padrão de vida. Como ajustar com efetividade esse desequilíbrio entre o ex-casal após a separação? Os alimentos compensatórios vêm sendo aplicados justamente para reduzir os efeitos da diminuição abrupta do padrão de vida de um dos consortes. Rolf Madaleno (2011, apud AZPIRI, 2002, p. 28), traz um conceito completo:

O jurista argentino Jorge O. Azpiri define a pensão compensatória como uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, em que se produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando, desse modo, a disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e sua subsistência.

Ainda citando-se Rolf Madaleno, um dos pioneiros defensores desta tese:

 Nos alimentos compensatórios (compensação econômica), o decreto de divórcio tratará de dissolver a relação conjugal e assegurar ao cônjuge destituído de meação e de valores amealhados no curso do casamento, uma pensão proporcional aos bens e às rendas que conformaram o patrimônio particular e incomunicável construído durante a relação afetiva do casal. (MADALENO, R., 2015, p. 549).

Outra hipótese de aplicação dos alimentos compensatórios ocorre quando uma das partes fica afastada do patrimônio familiar, ou porque está distanciada da posse e administração dos bens ou mesmo ficou sem meação, nos casos de regime separação convencional de bens. Apesar do nosso ordenamento jurídico não disciplinar expressamente sobre os alimentos compensatórios, a sua aplicação é indiscutível, toda a vez que se comprovar o abismo existente nas condições do padrão de vida do ex-casal após a ruptura da união amorosa. Para isso, Rolf Madaleno enumera alguns critérios fáticos que podem ser ponderados, a fim de demonstrar essa desigualdade:

Os acordos a que chegaram os cônjuges; a idade e o estado de saúde; a qualificação profissional e as probabilidades de acesso a um emprego; a dedicação passada e futura à família; a colaboração com seu trabalho e as atividades mercantis, industriais ou profissionais do outro cônjuge; a duração do casamento e da convivência conjugal; a eventual perda de um direito de pensão; a riqueza e os meios econômicos e as necessidades de um e do outro cônjuge. (MADALENO, R., 2011, p. 962).

Os alimentos compensatórios não devem ser confundidos com os alimentos naturais, eis que podem ser deferidos mesmo quando a pessoa que os recebe tem renda própria para manter a sua própria subsistência. Também não se trata de igualar a questão econômica do ex-casal, porque certamente esta disparidade já existia durante a união. Ainda, os compensatórios diferem dos alimentos tradicionais, sendo passíveis de renúncia, cessão e até penhora. Também considerando a natureza indenizatória e em busca da efetividade no pagamento mensal, os alimentos compensatórios podem dar origem à constituição de capital, nos termos do artigo 475-Q, CPC. Podem também ser compensados com outras verbas devidas, como decidido no Agravo de Instrumento nº 70083899245, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. RITO EXPROPRIATÓRIO. ABATIMENTO DE VALORES PELO VARÃO. DÉBITOS RELACIONADOS AO IMÓVEL NA POSSE DA EX-MULHER. CABIMENTO. Tratando-se de execução de alimentos compensatórios, é possível o pretendido abatimento de valores, em virtude dos pagamentos efetuados pelo varão para satisfazer obrigações da ex-mulher (luz, água e IPTU do imóvel em que ela continuou residindo, de propriedade do recorrente). Os alimentos compensatórios têm natureza indenizatória, destinados a restabelecer o equilíbrio do padrão de vida entre os cônjuges, alterado pela separação. Não se está diante de alimentos propriamente ditos, vale dizer, aqueles necessários para a sobrevivência da mulher. A característica da “incompensabilidade” (art. 1.707 do CCB), própria dos alimentos propriamente ditos, não se aplica na hipótese, pois se admite a compensação de verbas indenizatórias. Decisão agravada, que rejeitou a impugnação à execução, reformada. Quanto à pretendida condenação da exequente-agravada à indenização por dano moral, é questão a ser discutida na via processual própria. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 70083899245, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 19-06-2020).

Indubitavelmente, os alimentos compensatórios possuem natureza predominantemente indenizatória, eis que não buscam a sobrevivência do exconsorte, mas, sim, um equilíbrio no padrão de vida entre o ex-casal, em decorrência da ruptura da relação, seja porque somente um deles está na posse e administração dos bens comuns ou mesmo porque unidos sob o regime da separação total de bens um deles ficou abdicado, sem qualquer patrimônio.

Vale ressaltar, ainda, a predominância do caráter temporário (admitindo-se algumas exceções), vez que o credor terá que ir em busca de seu padrão de vida, através de sua profissão ou mesmo partilha efetiva e definitiva dos bens. Justamente por conter a natureza indenizatória é que a doutrina e jurisprudência dominante entendem não ser cabível a prisão do devedor em caso de inadimplência dos alimentos compensatórios. É o que se extrai do acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 70078720984, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. DECRETAÇÃO DE PRISÃO CIVIL DO AGRAVANTE. DESCABIMENTO. NATUREZA INDENIZATÓRIA E NÃO ALIMENTAR. DECISÃO REFORMADA. O presente recurso tem por objetivo a reforma da decisão que, nos autos da ação de execução de alimentos, decretou a prisão civil do agravante. Para tanto, o recorrente sustentou a impossibilidade da execução pelo rito previsto no art. 528, do CPC, pois a verba não possui natureza alimentar, vez que fixada apenas como um “aluguel” ou uma “ajuda de custo” enquanto as partes não partilham o patrimônio comum do casal. Com efeito, tais verbas tratam-se de espécie de alimentos compensatórios, que não comportam o rito de prisão civil, por não terem caráter alimentar, mas natureza indenizatória. Assim, sua eventual inadimplência não sujeita o devedor à coerção pessoal, devendo, nestes casos, ser aplicado o rito da constrição patrimonial. Recurso provido.(Agravo de Instrumento, Nº 70078720984, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 18-10-2018)

Com efeito, há quem pense diferente, no sentido de que nosso ordenamento jurídico não limita a ordem de prisão aos alimentos parentais e naturais, ou seja, não proíbe a prisão civil em caso de inadimplência dos alimentos compensatórios ou indenizatórios, sustentando-se, ainda, a fim de dar efetividade à decisão, nos métodos coercitivos autorizados pelo art. 139, IV, CPC. Há quem sustente que a própria definição de „alimentos‟ compensatórios esteja equivocada, vez que não se tratam de alimentos propriamente ditos e têm finalidades distintas. Rafael Calmon (2019, apud DIAS, 2016, p. 984), a qual sugere novo enquadramento conceitual, para evitar confusões: “verba ressarcitória ou prestação compensatória”. De qualquer forma, como já se disse alhures, sustenta-se a possibilidade de aplicação dos alimentos compensatórios, apesar de não haver previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, levando-se em conta os princípios da solidariedade familiar (que não se esgota com o fim do relacionamento), bem como da garantia constitucional da dignidade humana.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINI, Margot Cristina. Prisão civil de devedor de alimentos indenizatórios e o princípio da proporcionalidade. Revista IBDFAM, Belo Horizonte, v. 30, p. 117, mar/abr, 2017. CALMON, Rafael. Decisão Comenda. Revista IBDFAM, Belo Horizonte, v. 31, p. 130, jan/fev, 2019. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. SIQUEIRA, Cristina Boaventura; SOUZA, Ionete de Magalhães. Alimentos compensatórios e o equilíbrio econômico – Com a ruptura matrimonial ou da união estável. IBDFAM. 27 de junho de 2013. Disponível em: < https://ibdfam.org.br/artigos/900/Alimentos+compensat%C3%B3rios+e+o+equ%C3% ADlibrio+econ%C3%B4mico- +Com+a+ruptura+matrimonial+ou+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel> Acesso em: 22 de junho de 2021. ______. Tratado de Direito das Famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015. TJRS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 70083899245. Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. DJ: 29/06/2020. TRJS, 2020. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php> Acesso em: 22 de junho de 2021. TJRS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 70078720984. Relator: Desembargador José Antônio Daltoé Cezar. DJ: 19/10/2018. TRJS, 2018. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php> Acesso em: 22 de junho de 2021.

Por: Saionara Schierholt